-
O Inacreditável Anton K.
Stroppell |
Anton
é sujeito inacreditável. Contando aos amigos
poucos puderam acreditar na sua história.
Pensando
bem em muitas organizações existe um Anton.
Quase todos nós conhecemos um. Será?
Anton,
na verdade nascido e registrado José João
da Silva, criado numa cidade simples do interior de Minas
Gerais, adotou esse nome aos 16 anos. Não podia suportar
a vulgaridade e simplicidade de seu nome. Afinal, aprendera
a ler aos 4 anos com a ajuda de uma tia professora que logo
cedo viu naquele menino um verdadeiro prodígio. Acreditem
nunca mais parou de estudar. Sempre como primeiro aluno
da turma, sempre premiado. Era o terror das professoras
das escolas públicas onde passava. Tímido
ao extremo, seu refúgio predileto era a biblioteca
pública da pequena cidade, lia de tudo, jornais,
revistas em quadrinhos, livros, enfim tudo que estivesse
impresso em papel.
A
grande virada aconteceu aos 16 anos, quando resolveu escrever
para o jornal da cidade, crônicas e artigos sobre
personagens ilustres e não conformado com aquele
nome tão simples e popular adotou Anton – provavelmente
daquele famoso escritor francês – K por achar
uma letra elegante que só se usava em países
estrangeiros e Stroppell – nunca contou a ninguém
a razão.
Sim
aos 16 anos era fluente em francês e inglês
e já estudava alemão. Conhecia quase de cor
todos os principais poemas de Castro Alves e já havia
lido tudo o que era mais importante na literatura portuguesa
e brasileira.
Mas
vamos chegar aos nossos dias. Escolheu Economia. Formou-se
e foi para uma empresa conceituada no Rio de Janeiro. Sua
timidez impedia-o de mostrar o quanto sabia. Era na escrita,
nas letras impressas que ele se destacava.
Dominava
quase tudo. Entende-lo quando resolvia escrever sobre um
tema de filosofia antiga a temas contemporâneos era
uma tarefa que poucos podiam acompanhar e assim mesmo com
um dicionário – dos bons – ao lado. Alguns
colegas e amigos chamavam-no de verborrágico –
ao que ele respondia com duas ou três páginas
desde a origem da palavra até seus prováveis
sinônimos e não raro convencia que ele não
era. Segundo sua palavras: apenas fazia o papel de educar
um povo inculto. Tornou-se na empresa o dono da verdade
– quisessem escrever algo mais profundo ou analisar
um contrato internacional chamavam José João,
digo Anton.
A
essa altura já domina 7 línguas – agora
ele podia aceitar o termo poliglota.
Na
sua empresa há um trote muito peculiar. Os novos
funcionários são estimulados a antes de terminar
um relatório ou parecer enviá-lo a Anton para
que ele dê sua opinião. Nunca se soube de alguém
que não tivesse sido repreendido severamente pelas
dezenas de erros de português, que só ele consegue
achar, pela concordância e pelas inúmeras palavras
que ele substitui no texto original da vitima. Perguntar
a ele por escrito o horário da reunião é
de se esperar que a resposta virá em pelo menos três
parágrafos “espinafrando” o infeliz que
fez a pergunta. Se ele estiver de bom humor conta ao colega
até as possíveis origens da palavra tempo
e hora, mas se estiver de mau humor, como é o costume,
torna-se sarcástico, irônico e agressivo. Detona
qualquer sujeito, do mais simples ao diretor da empresa.
Suportam-no
por ser uma enciclopédia ambulante. Conhece quase
tudo, já leu – é prova isso –
quase tudo sobre os mais variados temas. Não leu
ainda- irá ler – vai pesquisar com profundidade.
Difícil
suporta-lo, apenas atura-lo. Estranho é que conviver
com ele é extremamente agradável. Homem de
poucas palavras. Voz suave e pausada. Quase sempre sorrindo.
Nunca se ouviu levantar a voz em qualquer situação,
mesmo quando um diretor aos berros xingou-o por uma crítica
feita em seu despacho. Ele apenas olhava passava a teclar
no computador, desfiando a sua vingança, doces ironias
e ácidos sarcasmos.
Poucos
amigos verdadeiros – somente aqueles que não
se expõem a mostrar algo que escrevem. Certa vez
foi convidado por um editor para selecionar os manuscritos
que poderiam vir a ser novas obras. Mas foi despedido seis
meses depois. Naquele período nenhuma obra foi por
ele aprovada. Todas ele considerou “excrementos da
língua portuguesa”.
Os
editores dos jornais mais famosos nem querem ouvir falar
de Anton. Suam frio, pois se ele resolve apresentar uma
critica a um determinado jornal – orgulha-se em dizer
que encontrará não menos do que cem erros
de concordância e de grafia numa só edição.
Sua
última namorada – sim ele é solteiro
– desistiu quando ele resolveu fazer uma declaração
de amor por escrito – quase um livro de 30 páginas;
ao final ela não sabia se era a paixão da
vida daquele homem ou a “mais reles meretriz.”
- Perdoem-me quando penso nele até escrevo como tal
–” a mais vagabunda das prostitutas”.
Anton
nunca está só, vive sozinho. Coleciona inimigos
mortais quando escreve, embora às vezes esteja até
elogiando. Se encontra-lo na rua é capaz de tornar-se
um de seus melhores amigos. Querendo continuar com a amizade
nunca mostre a ele aquelas poesias e contos que escreveu
na adolescência e jamais um relatório que irá
apresentar para o seu chefe. Ele não perdoa. Sua
arma é a escrita.
Esse
é o inacreditável Anton K. Stroppell.
Armando
Pastore Mendes Ribeiro
|