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A importância da importância |
Ao
concluir o curso superior, o funcionário de qualquer
estatal é promovido. Não sei se isso se aplica
também àqueles que ocupam cargos sem expressão
mas, quando isso não acontece, passa a receber um
tratamento diferenciado; agora já é “alguém”,
uma entre 1000 pessoas que ingressaram numa faculdade. É
assim mesmo, cultura e regras de comportamento são
transmitidos ao longo do tempo, temperadas pelos novos costumes.
Quando esse funcionário já ocupa uma posição
de destaque, é rei, perdão, doutor: mãos
invisíveis abrem as portas, as cabeças dos
mortais, seus antigos colegas, se inclinam respeitosamente
e, se não tiver um auto-controle para refrear o seu
complexo de superioridade, o mundo se lembrará dele
como um executivo arrogante, bom negociador, é verdade,
mas certamente um ser humano comum que não nasceu
em palácio.
Conheço um executivo que já foi do primeiro
escalão de uma grande estatal. Demitiu-se antes do
debâcle, negociou a sua saída e montou uma
firma para ele e o filho que só poderia dar certo
em vista dos ótimos contatos realizados ao longo
de anos de trabalho. Localizado num endereço nobre,
o escritório tem todos os requintes exigidos por
quem sabe (e pode pagar) o que é bom: tapetes e mobiliário
requintado, um belo lustre na entrada e até maçanetas
douradas. Com essa apresentação, aliada à
postura do proprietário (sério, falando pouco,
cheio de si), quem, oh quem, ousaria chamá-lo pelo
nome sem o prefixo de ”doutor”?
Advogados
e dentistas são “doutores” há
muito tempo, com total aceitação da sociedade,
porque conquistaram o seu espaço. Ah, mas agora alguns
psicólogos, engenheiros e economistas também
querem se impor através do titulo. Será que
isso lhes confere, automaticamente, a condição
de donos da sabedoria? “Por favor, o Sr. Ernâni
está?’’ Resposta incisiva: 0 senhor deve
estar se referindo ao Dr. Ernâni da Costa Bravo Raposo!”
(não seria “”raposa’’?)
Nas
empresas brasileiras, em sinal de respeito, o termo “doutor”
também é usado fartamente, especialmente com
relação aos diretores. Creio que o “herr”,
na Alemanha, não minimiza a importância do
cargo, nem o tratamento familiar, pelo primeiro nome, significa,
nos Estados Unidos, desconsideração para com
o chefe. Paciência. No Brasil é assim e fim
de papo. À medida em que o funcionário adquire
um novo status na empresa, sua postura, assim como sua conta
bancária, muda da água para o vinho.
0s
manuais de administração são claros;
os executivos devem ter um bom relacionamento inter-pessoal,
principalmente com seus pares. Um diretor administrativo
deve almoçar com gerentes e diretores; não
convém tomar chope com seu ex-colega que não
”sai” do cargo de supervisor. 0 que surpreende
é a mudança de comportamento daqueles que
sobem que levam muito a sério as regras de comportamento
executivo, com resultados medíocres. Se, há
pouco tempo, o executivo se queixava, na hora do cafezinho,
das arbitrariedades do chefe, agora finge correr para reuniões
urgentes, só para não reconhecer um ex aliado
nos olhos do amigo colega.
0utras
vezes, a postura de um executivo não corresponde
à sua posição. Prepotente, sem se esforçar
para diminuir o impacto das notícias, o principal
diretor de uma conceituado fabricante de auto-peças,
convocou uma assembléia geral para comunicar a aquisição
de uma empresa concorrente e... a conseqüente redução
do quadro de funcionários. Achou que não haveria
questionamentos se usasse uma linguagem direta, sem subterfúgios.
Tudo bem, mas precisava dizer; ”não gostaram?
Vão chorar no colo das suas queridas?” Quem
disse que a educação vem do berço?
Adquire-se, isso sim, e recebe constantemente novos alimentos,
... quando se quer.
Gloria
Gilberto era Gerente de Recrutamento e Seleção
de uma indústria de refrigerantes. Simpática,
como todas as psicólogas, acessível, tinha-se
organizado para receber visitas uma vez por semana. Conversa
profissional a parte, numa primeira reunião falamos
também sobre filhos e família, estabelecendo
um bom nível de empatia.
Dois anos mais tarde, Gloria foi demitida devido à
reengenharia da empresa. Temerosa de ficar desempregada,
mandou-me um currículo. Que não chegou a ser
“”trabalhado”” porque teve sorte
mais cedo do que imaginara. Pensei, quanta ingenuidade,
que a amizade continuaria. A decepção veio
a cavalo. Como nunca a encontrava, mandei um bilhete . Em
resposta, recebi o telefonema da sua secretária,
(agora Glória era Diretora). Disse-me, em tom de
quem não tem tempo a perder:
Dra Gloria Gilberto deseja saber por que a senhora
lhe mandou um bilhete, invés de uma carta formal.
Que pergunta! Mandei para comunicar o meu endereço
atual e bater um papo.
Tudo bem, mas a doutora está muito ocupada
para bater, os telefones da casa dela mudaram e outra coisa,
não estou autorizada a dar nenhuma outra informação.
Desisti.
Quer dizer: uma profissional não tem tempo, interesse
ou curiosidade em falar, pelo menos ao telefone, com uma
consultora da mesma área? Imagino como deve ser impossível
a vida de seus funcionários. Provavelmente devem
avisar quando vão ao banheiro para que a chefe cronometre
os minutos passados longe das mesas de trabalho.
Quem sabe, talvez a empresa esteja perdendo, sem saber,
inúmeras horas de atividade!.Já sei: prefiro
conversar com outros “”doutroes”: os os
médicos, que não se importam em atender o
telefone até de madrugada, os ricos, mais acessíveis)
e os profissionais com doutorado e anos de estudo. Todos
são mais simples acessíveis e humanos do que
muitos que trabalham com recursos humanos.
Lilly
Paes Barreto
lillyleonie@terra.com.br
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