-
Carlão Carioca e o vendedor
de carros |
Lembrei-me
hoje de Carlão – O carioca. Fazem mais de 30
anos que não o vejo. Fizemos a faculdade de Matemática
na mesma turma e divertia-me com suas manias. Uma delas
era de construir fases de efeito, misturando-as muitas vezes
com outras já conhecidas. A outra era a cada semana
aparecer e insistir na descrição da nova deusa
de sua vida. Invariavelmente, começava descrevendo
sua nova musa pelos cabelos: “que cabelos, que olhos!
que boca, que pescoço!...” Em minha opinião,
elas não eram tão lindas assim quanto ele
falava.
Naquela manhã chuvosa encontrei-o no centro da cidade
de SP. Após os tradicionais cumprimentos, passamos
a contar as novidades. Ele de sua parte estava lá
para ver passar a nova deusa da sua vida. E eu havia saído
de uma concessionária onde havia adquirido o primeiro
automóvel zero quilometro de minha vida. Comentei
das dificuldades na aquisição ao que ele emendou
de imediato a frase: “Vendedor de carro é tudo
igual, quando não te engana na venda, te engana na
entrega”. Logo em seguida sem dar-me tempo de falar
pediu para observar a deusa da sua vida que vinha se aproximando.
- Veja meu amigo; que cabelos! que olhos, que boca! que
pescoço, que braços!... sussurrava o apaixonado
Carlão.
Encontro-me hoje mais ou menos naquela situação
de trinta anos atrás. Acabei de receber um carro
zero quilometro contemplado num consórcio. E que
dificuldade. Não me lembro desses últimos
anos de encontrar um atendimento tão ruim, tão
desagradável por parte não de um, mas de vários
vendedores de automóveis de uma conhecida concessionária
aqui de Curitiba.
Começando pelo vendedor do consórcio, que
garantia uma entrega rápida uma vez que era de praxe.
Passando pelo vendedor de veículos semi-novos, que
simplesmente disse que a concessionária tinha uma
programação financeira e não podia
alterar seus prazos, que na soma ultrapassavam dez dias.
Terminando com o vendedor de veículos novos, que
me fez esperar por mais de duas horas e não me atendeu.
Tinha outros compromissos. Dez dias depois recebi o carro
de outra concessionária; de outra marca.
Como consultor tenho realizado diversos cursos de atendimento
ao cliente e percebi que naquela concessionária estava
acontecendo tudo que de errado pode ocorrer.
O
cliente só é importante na hora da venda.
Nesse momento tudo é prometido, todos os ditames
burocráticos são rápidos e a entrega
do produto não passa de 48 horas. Na hora do fechamento
da venda, na escolha do carro, algumas frases interessantes
que ouvi:
-
Infelizmente só temos aquele carro, dentro da faixa
da sua carta de crédito, é pegar ou largar!
- Aceitamos seu carro como lance, mas só pagaremos
por ele dentro de dez dias, temos uma programação
financeira e eu não posso fazer nada.
- Se o Sr. tiver uma proposta melhor, por favor, vá
até lá (entregando as chaves e o documento
do meu carro).
- Houve realmente um caso onde o processo foi rápido,
como lhe falou o vendedor do consórcio, mas é
que naquele dia estava aqui na loja o Diretor da empresa
que assinou no ato, aquele consorciado não podia
ficar sem o automóvel.
- Olhe bem não diga que fui eu que indiquei para
comprar um carro zero, aqui existem ciúmes entre
os vendedores; não quero queimar meu filme.
- Ele vai pressionar mesmo, mas diga que você é
quem está na dúvida entre um novo e um semi
novo.
- O Sr. tem razão, essa prática da empresa
é absurda, não gostamos de perder clientes
para outras revendas, mas fiz o que eu podia, agora...
- Olha, infelizmente o Fulano, que já estava a par
da sua situação, foi para outro compromisso
e não tem ninguém mais que possa atendê-lo
(o salão estava com, pelo menos, 5 vendedores olhando
para as moscas) .
- Frase do gerente de veículos seminovos: Nem pensar!
Nosso pátio está cheio (em voz alta para que
eu pudesse escutar e visivelmente irritado).
- Frase do gerente de vendas de consórcios: É
essa (informação) eu não sabia, mas
vou chamar o vendedor para acompanhá-lo (o mesmo
que nada sabia).
- Do vendedor de veículos semi novos: Nosso lema
é que cada consorciado contemplado saia daqui com
o carro da própria concessionária, mas não
é o seu caso, sempre fazemos ótimos negócios,
mas o caixa da empresa deve estar baixo.
No
momento seguinte o atendimento de outra concessionária
foi excelente. A vendedora não cometeu nenhum pequeno
pecadito. Sabia que poderia perder o cliente. Disse-me:
Aqui quem faz a programação financeira é
o cliente. Em menos de duas horas estávamos com o
carro comprado. No dia seguinte o dinheiro da venda do meu
carro estava na minha conta.
Daquele
momento em diante dependeríamos somente da liberação
por parte do consórcio. Mas isso é uma outra
história.
Continuei
rindo daquela frase do Carlão Carioca. Não
podia concordar com o que ele disse, afinal num segundo
momento tive uma aula de perfeito atendimento com foco no
cliente, embora constate que, passado tanto tempo, ainda
temos atendimentos péssimos, com foco no processo
da organização e não no cliente.
Vocês
querem saber da deusa do Carlão, certo?
Naquele
dia, passadas mais de três décadas, lembro-me
que pela primeira vez tive que concordar integralmente com
ele. Realmente era uma deusa, uma verdadeira gata, como
se falava na época. Que cabelos! que olhos! Tudo
aquilo pertencia à minha noiva, com quem estou casado
até hoje.
Despedi-me
dele e com um sorriso para lá de satisfeito.
- Carlão, realmente é uma deusa! Até
qualquer dia.
Armando
Ribeiro |